sexta-feira, 28 de outubro de 2005

DEBATE NO AUTOCARRO 10

Um dos "pontos altos" da minha rotina diária é sem dúvida a viagem de regresso a casa, após um dia de trabalho, no autocarro 10 (o mesmo de que eu já falara no post AUTOCARRO 10: CALABACERA/PALAMREJO).Naqueles 15/30 minutos de percurso vê-se e ouve-se de tudo. Ontem, por exemplo, tivemos direito a um debate político. Isso mesmo!
Espicaçados pela emissão radiofónica das discussões no Parlamento que se fazia ouvir no autocarro, alguns passageiros começaram a deixar escapar desbafos. Estes logo se transformaram em aceso debate, liderado por três mulheres e um homem(uma das mulheres revelou que era empregada doméstica, os restantes fiquei sem saber qual era a sua ocupação).
Logo de inicio uma das mulheres declarou que desta vez não ia votar em ninguem, no que foi logo secundada por várias pessoas.Disse ela, que não valia a pena votar porque, viesse quem viesse, para os pobres as coisas iam continuar sempre na mesma. Outra acrescentou que os politicos só se lembravam dos pobres em vésperas de eleições e que insistiam em fazer promessas que depois não cumpriam. E muitos outros argumentos do tipo foram apregoando.
O homem tentava convence-las de que não deviam deixar de votar pois abster-se não ia resolver as coisas, mas elas mantiveram-se irredutiveis e uma até acrescentou que, recensiar era coisa que nunca deixava de fazer pois era uma obrigação (!) mas votar era uma opção (!).
Por altura da Terra Branca o debate voltou-se para o aumento dos preços dos bilhetes de autocarro. As mulheres estavam todas de acordo em que a culpa disso também era do Governo. O homem tratou de explicar que tinha a ver com o aumento do preço dos combústiveis mas elas retrucaram : e de quem é a culpa do aumento dos combustiveis, se não do Governo?! Ele ainda arriscou: é a inflação... Mas um coro de protestos cubriu as suas palavras. A empregada até o acusou de armar-se em inteligente e entendido.
Conforme o autocarro ia se aproximando do Plateau, mais acessa a discussão ficava, com as mulheres a atacar o homem, dizendo que se ele não estava a reclamar do estado das coisas era porque ele devia ser rico, não tinha falta de nada. Perante isso, ele declarou: nem todos podem ser ricos, que os pobres são necessários.Escusado será contar a balbúrdia que tal afirmação causou.

Na paragem junto á Electra, entrou uma mulher que, depois de 20 segundos ouvir a conversa, resolveu participar do debate lançando um novo aspecto: segundo ela a cúpula política de Cabo Verde é toda ela formada por sampadjudus (cabo-verdianos que não são de Santiago). Todos os envolvidos na discussão concordaram e houve quem acrescentasse que é porque os sambadjudos são mais unidos enquanto que os badius (cabo-verdianos naturais de Santiago), em vez de se ajudarem, tratam de dificultar a vida uns aos outros e ainda por cima, quando chegam ao poder, chamam os sampadjudos em vez dos colegas badius.
Aproximando-se do Plateau a discussão evoluiu para o problema dos géneros. Uma das intervenientes garantiu que não votava mais em homens porque eles eram todos iguais. Alguem lhe disse que então ela ia ficar mesmo sem votar, a não ser que fosse a S. Vicente "votar na Isaura Gomes".
O homem tentou mais uma vez acalmar os animos, sem sucesso. Na paragem do Plateau, desceu. A mulher que entrara junto á Electra, e que era das mais exaltadas,disse que ele fugira. E depois acrescentou: "deviamos era ter-lhe dado uma sova! Sim,se não estivessemos dentro do autocarro juntava-mo-nos e davamos-lhe uma carga de porrada".
E nesse espírito de raiva e volência vieram até Fazenda, onde desci e por isso fiquei sem saber se o debate prosseguiu ou não.




NOTA:Foi a terceira vez, esta semana, que na minha viagem de regresso a casa, ouvi alguem a fazer ameaças de resolver as coisas na base da violência. Nas outras duas vezes, uma mulher prometeu facadas a um comerciante chinês e a outra foi um adolescente que garantiu que nesse dia ia partir a boca a um vizinho). Na paragem onde desci, junto á Escola "capelinha" duas crianças estavam engalfinhadas aos socos e pontapés.
Que se passa com esta gente?!?

2 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma vez, sabiamente soubeste trazer um tema pertinente:
A política ou melhor dizendo, a democracia, não se coaduna com a violência. O que é mais importante numa democracia, é utilizarmos os nossos argumentos para convencer o próximo sem recorrer a quisquer tipo de violência, seja ela verbal ou física.
As pessoas têm que ter a conciência que a violência só gera vilência, por isso é de repudiar a atitude de quem a pratica.
É caso para dizer: violência, não obrigado.
um abraço e continua com o teu belissímo trabalho.
Ass: José Aimé

Kamia disse...

Obrigada por comentares.
A questão não é apenas a violência. É também uma certa forma de ver a política e/ou a democracia, um certo automatismo no atribuir de culpas...
Quanto a violência, o que dizes não podia estar mais certo. Mas num país onde os piores exemplos vêm de cima... os "debates" entre deputados na Assembleia Nacional só não terminam em pancadaria porque...olha nem sei porquê. Mas que estão lá perto, isto estão...