quarta-feira, 24 de maio de 2006

Nha Terra, Nha Cretcheu

Há dias estive aqui a comentar, muito ao de leve, os novos programas culturais da TCV. E não poderia ser de outra forma já que, expção feita ao Casa da Cultura, ainda não tinha visto em profundidade os programas referidos. Finason di Kombersu teve o seu segundo número na segunda feira. E ontem foi a primeira vez que vi Nha Terra, Nha Cretcheu do principio ao fim, e sem pausas.
Estamos perante um programa cujo tom é assumidamente de "cartão postal". Durante perto de uma hora o que se vê e ouve é o belo e o bom que Cabo Verde tem para oferecer. Já se mostrou o lado A de Sal, Boa Vista e Fogo (se não me engano, até agora foi só).
O programa de ontem era sobre São Vicente (ou melhor, Mindelo) e estava muitíssimo bem feito a todos os níveis (imagem, edição, textos...).Paisagens lindíssimas, boa música, cor, alegria. Qualquer um chegava ao fim daquele programa com vontade de apanhar um avião e desembarcar em S. Vicente.
Isaura Gomes ( a Presidente da Câmara) surpreendeu pela positiva. Claro que se via que a entrevista que Alvenio Figueiredo lhe fez estava muito bem ensaiada...Mesmo assim, foi Isaura Gomes quem tomou a iniciativa de falar, ainda que de raspão, nos problemas, no lado B de São Vicente: a insegurança e o desemprego ( a pobreza nas periferias de Mindelo, os meninos de rua e os doentes mentais que polulam pelas ruas de Mindelo, acrescentaria eu). Mas nem assim Alvenio Figueiredo pegou na deixa e atreveu-se a aprofundar. Mantendo-se fiel ao guião, conduzia a edil de volta ao lado A, ao cartão postal.Exigências do formato.De certa forma, e considerando que é um programa que passa também num canal internacional, até se compreende a lógica "para turista ver" do programa. É bom que se mostre Cabo Verde desta perspectiva também, é bom que nos orgulhemos das nossas belas ilhas, da morabeza das gentes, da nossa Cultura. Afinal, o lado B passa quase todos os dias no Telejornal ou então sentimo-lo na pele, quando chegamos em casa e não temos luz, por exemplo.
Um aparte sobre o Nha Terra, Nha Cretcheu de ontem: não uma, nem duas vezes, Alvenio Figueiredo referiu-se a São Vicente como a "capital da cultura cabo-verdiana" ou mesmo "o berço da cultura cabo-verdiana".
Eu sei que o que vou dizer agora poderá "levantar ondas" mas isso nunca me deteve antes e não será agora. Essa história de São Vicente ser a capital da cultura...já deu. Get over it. Concordo em toda a linha com um amigo que há dias me dizia que esse foi um discurso criado e muito bem implantado, de tal modo que quase todos nós o compramos e até hoje se veicula essa ideia.Falsa. Falsa sim.
Capital da cultura porquê? De que cultura?Será que a Cultura se resume a exposições, espéctaculos, teatro, festivais, sabura? Se é isso, é bem verdade que durante anos São Vicente foi a ilha onde mais se apostou na divulgação das manifestações culturais. Foi a primeira ilha a empenhar-se na elitização da cultura, digo eu. E não tiveram medo de abrir-se à cultura de outros povos, pelo contrário, absorveram-na em pleno e continuam nesse processo.
Mas, enquanto se faziam coladeiras com gosto de samba, adaptações de peças de teatro inglesas,etc e tal, em São Vicente, em Santo Antão continuavam a se fazer bailes de mazurca, na Boa Vista a olaria de artesanato local funcionava em pleno, as tabankas saiam ás ruas em Santiago e no Fogo empunhavam-se as bandeiras (só para citar alguns exemplos). A Cultura estava nas ruas, existia, mesmo que não se falasse nela e nenhuma elite ainda se tivesse dedicado a ela em pleno, como agora finalmente está a acontecer.
Na minha opinião, São Vicente não precisa de palmadinhas nas costas, e prémios de consolação, como isso de se dizer que é a capital cultural. Mesmo que a Cultura cabo-verdiana se resumisse ao número de eventos culturais, de festas e de artistas que uma cidade tem, isso hoje seria questionável pois, Praia nunca esteve tão efeverscente de acontecimentos culturais como agora.Mas não se trata aqui de embarcar num concurso de "qual ilha é mais isso ou mais aquilo".
Não, não sou bairrista. Reconheço São Vicente como uma ilha fantástica mesmo sem nunca ter lá estado ( e a minha vontade de lá ir só aumenta) e admiro de verdade as suas gentes e toda a riqueza que inserem nesse caldeirão de misturas que é Cabo Verde. Agora, capital da cultura de Cabo Verde...soré.

6 comentários:

Anónimo disse...

Kamya!

Mereces um bom Pinot Noir, daqueles que exigem Horace Silver ao piano e trufas do melhor chocolate (que era droga Azteca, diga-se)...

Tens razão: a Cultura não tem capital. Nem no Mindelo e na Assomada, nem na Praia e em São Filipe. A Cultura incendeia onde está o povo. Hora de evoluirmos sobre esse preconceito bobo, falacioso e ridículo, para não dizer (auto) colonizante. Ah, como me estremece ouvir Cesária Évora, Salif Keita ou Rav Shankar! Como me encanta Orlando Pantera e me remete ao blues, ao lundum e ao conga.

Agora, lembrei-me dos versos do mestre Fernando Pessoa:

Qualquer música, ah, qualquer,
Logo que me tire da alma
Esta incerteza que quer
Qualquer impossível calma!

Gostei do teu post, Kamya! Vinhão garantido.

Filinto Elísio

Kamia disse...

Só disse o que - felizmente - muita gente já sabe. Só que é hora de desmontar este discurso,acabar com esta ideia pretensiosa.
Belos versos!Fernando Pessoa tem sempre a resposta para tudo o que nos inquieta a alma.

Anónimo disse...

Eu também não concordo com a rivalidade que existe entre S.Vicente e Santiago, acho que isso sim, é um conceito que deveria ser ultrapassado, devendo-se incentivar os jovens a pensarem que pertencem a Cabo-Verde como um todo e não a uma certa ilha. Em relação a S.Vicente ser capital de cultura (ou não), acho que deveria-se ter em conta em que contexto as pessoas referem a capital de cultura e o que elas entendem por cultura. Já está na hora de acabar com a tacanhês de espírito e com (pre)conceitos idiotas e ignorantes. Já agora, como é que podes afirmar que S.Vicente é uma ilha fantástica se nunca lá estiveste? Talvez no dia em que conheceres realmente S.Vicente e conheceres a verdadeira morabeza do povo de S.Vicente possas falar melhor acerca dessa ilha que é realmente maravilhosa. Fiquei contente por, numa discussão entre estudantes,um deles perguntar ao outro como é poderia gostar tanto de uma música de S.Vicente, quando ele era de Santiago e o outro estudante ter respondido:- É simplesmente, antes de ser badiu(de santiago), sou caboverdiano. Isso sim, merece ser escrito e divulgado!

Kamia disse...

Anónimo obrigada pela tua opinião.
Posso sim dizer que S. Vicente é uma ilha fantástica porque a pesar de nunca lá ter ido,aquilo que já vi, li e ouvi sobre S. Vicente e as suas gentes foi-me suficiente para chegar a esta conclusão.Penso que se pode "sentir" um lugar sem nunca ter pisado no seu chão.Assim como há gente que está (vive) num lugar sem nunca chegar a "senti-lo" de verdade.
É deveras rídiculo que o bairrismo chegue ao ponto de alguem achar que alguem de uma ilha não pode gostar de música de outra ilha, como no caso que contaste. Isso é coisa de ignorante.

Bem já escreveste aqui esta história e creio que pelo menos entre os visitantes deste blog ela já foi divulgada. Mas podes criar um espaço (pode ser um blog)para divulgares as coisas que consideres que - essas sim - merecem ser escritas e divulgadas.

Anónimo disse...

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