terça-feira, 31 de outubro de 2006

Caça às bruxas ou Moda passageira?

Estamos todos carecas de saber o quanto a sociedade cabo-verdiana é influenciada pelas telenovelas brasileiras. Nas rádios, as músicas que mais tocam são as da novela do momento; as roupas e os acessórios (principalemnte femininos) seguem as tendências das novelas e até os comportamentos e as atitudes acabam por ser influenciados pelos temas abordados nas novelas.
A maior parte das vezes essa influência é inofensiva, sem grandes consequências. Mas depois há coisas que podem assumir proporções assustadoras.
Sexta-feira, durante um trajecto de autocarro, ouvia a conversa de três raparigas, talvez de uns 15/16 anos. Não dava para não ouvir porque toda gente sabe como os estudantes falam nos autocarros. Bem, a conversa era sobre uma outra colega, ausente. Duas das meninas estavam a tentar convencer a terceira de que a colega ausente era...lésbica. A rapariga não queria acreditar e rebatia as "provas" que as duas lhe apresentavam. E que provas eram essas? Prova A: ela era esquesita; Prova B: ela não tinha namorado; Prova C, e para elas a decisiva: ela olhava muito para as outras meninas. A colega a quem tentavam convencer, rebateu todos os indícios, dizendo que ela era esquesita porque era tímida, não tinha namorado porque era tímida e olhava para as outras meninas porque tinha complexos com o seu corpo e estava sempre a olhar para as outras para comparar-se.
Bem, escusado será dizer que as duas acusadoras não se deram por convencidas, pelo contrário, começaram a implicar com a colega porque esta era muito amiguinha da pseudo-lésbica e estava a defendê-la demais. Nesse ponto, a menina ficou visivelmente chateada, começou a defender-se dizendo que não era tão amiga assim da acusada, que nem falava com ela há um bom tempo...
As outras duas continuaram na risota, dizendo para ela ter cuidado porque a menina de quem estavam a falar era...como o Júnior da novela (!). Depois, uma delas ainda lembrou-se de corrigir: Não, ela é mulher. É como a Clara daquela outra novela, Mulheres Apaixonadas.
A conversa continuou, e quando cheguei à minha paragem, já a única que defendia a amiga ausente, estava também convertida/convencida e juntava piadinhas e analisava comportamentos da colega para encaixá-la na sua teoria da homossexualidade. Já não defendia a amiga, defendia-se a si mesma.
Eu não pensei mais no assunto, até me lembrar de uma conversa que tinha tido há uns tempos, em que falávamos exactamente dessa nova "caça as bruxas" que silenciosamente parece estar a tomar conta de certas pessoas. E não se pense que são só os adolescentes, com cabecinhas facilmente manipuláveis pelas novelas que embarcam nesse tipo de atitude. Não, há muito bom marmanjo e marmanjas que se dedicam a esse passatempo: tentar adevinhar quem é gay e quem não é e recrutar o máximo de pessoas possível para a sua causa (confirmar a gayísse do indivíduo escolhido). No topo dos indicios da homossexualidade, para estes estudiosos da sexualidade alheia,parecem estar:
1. Mulheres que não têm namorado (más noticias para as hordas de pikenas que desesperam com a escassez de macho que tem havido por estas paragens).
2. Mulheres e homens que se atrevem a ter um(a) melhor amiga(o) e a estar muito tempo com ela(e).
3. Mulheres que dançam com outras mulheres nas discotecas (muitas usam isto para provocar os homens mas parece que o tiro lhes saiu pela culatra)
4. Homens que dançam músicas de se dançar sem par nas discotecas (parece que a probabilidade de gayíficação é maior se o ritimo for samba ou disco)
5. Homens que não cedem quando provocados por uma mulher (se tiver namorada, pode escapar do atestado de gayíficação levantando a bandeira da fidelidade, se não tiver namorada e não ceder à provocação... é gay)
6. Homens e mulheres que olham para outros homens e mulheres (se tem o mau hábito de reparar nas pessoas - como estão vestidas, calçadas, penteadas, se são mais magras ou gordas do que você, desista se não quer levar com o rótulo de homo; mulheres que consultam sites ou revistas de moda cheias de actrizes e modelos e homens que consultam sites e jornais desportivos com pernas e abdominais masculinos em evidência = gays).
7. Homens artistas
8. Homens e Mulheres ninfomaniácos (pasme-se)
Enfim, há ainda muitos itens para a lista, alguns bem bizarros, se pensarmos como os personagens de Virgem aos 40 Anos que até pela maneira de jogar playstation deduziam se a pessoa era gay ou não. O assunto tem o seu quê de engraçado, mas analisando mais seriamente, não deixa de ser triste ver pessoas tão empenhadas em descurtinar a sexualidade de cada um. Não sei que proporções essa "caça às bruxas" ou moda está a atingir, mas creio que a maior parte das pessoas têm mais que fazer do que estar a pensar se fulano gosta de rapazes e sicrana de mulheres. Imagino que é dificel para um homossexual aguentar com o preconceito e a discriminação, pior então para uma pessoa que não é gay, nem lésbica, ter que aguentar com isso. Provavelmente a melhor coisa a fazer será ignorar e continuar a viver a sua vida sem dar importância, até que os "perseguidores" se lembrem de outro assunto para se entreterem.
Vamos todos torcer para que a próxima novela não traga, sei lá...canibais. Se não a nova moda poderá ser descortinar quem anda a consumir carne humana.

4 comentários:

Rosario Andrade disse...

Bom dia Kamia!
...tem um quê de engraçado mas tambem de tragico. Muito trágico. O facto de pessoas (e principalmente jovens) tenham de adquirir certos comportamentos so para fugir a rótulos estereotipados... numa época em que há liberdade, abdica-se dela devido a importancia que se dá ao que os outros possam pensar... trágico.
Bjico ancho!

Kafé Roceiro disse...

è verdade. Um tanto trágico. Beijos.

strawberryfairy disse...

Olá querida:)
Infelizmente hoje em dia mais do que em tempos anteriores a juventude refugia-se estereotípos pior quem não faz parte de nenhum é posto de parte e criam-se as conversas com base em suposições e disse-me q me disse. É triste mais ainda bem que nem todos são assim... um beijo

Kamia disse...

Olá pessoal.
Sim é trágico. E sabem o que é mais trágico: que haja quem pense que nem se devia falar no assunto. Que é perigoso e desconfortável entrar nestes temas.(isso foi uma reacção que recebi por e-mail).
Portanto, devemos todos falar só sobre arco-iris e flores ou no caso de falarmos sobre assuntos menos agradáveis que seja só sobre algo que nos afecte directamente.
My god...

Obrigada por opinarem.